07 abril 2011

Café requentado

Pra quem acredita no Grande Amor, em Amor Eterno ou em outros amores com maiúsculas, este post vai parecer ridículo. Talvez ele seja ridículo de qualquer maneira, escrever sobre o amor é sempre meio suspeito e quase sempre piegas (exceção feita à literatura ou à música que podem falar dele sem receio). Mas se você, como eu, tem o “amor disperso” (a expressão é da poetisa cubana Dulce María Loynaz) talvez você se identifique com alguma das bobagens que vou dizer a respeito. Na verdade, este post é quase um conselho (adoro quebrar minhas próprias regras). Pra quem? Não sei, veja aí se ele serve.
Pra quem amou muitas vezes, fica uma sensação de que a gente nunca deixa de amar alguém completamente. Podem passar muitos anos e provavelmente em muitos casos, ao reencontrar uma pessoa a quem se amou loucamente, a gente até pense – aliviado – “que bom que não estamos mais juntos”, ou ainda mais distanciadamente, “como pude amar essa pessoa?”. Mas se ao reencontrar esse amor antigo, você ficar perto dele por um tempo, compartilhando um mesmo espaço, um mesmo trabalho ou qualquer outro tipo de atividade, provavelmente você estará correndo um sério risco de se apaixonar de novo. Encontrar a pessoa amada sempre desperta algo do encantamento ou da afinidade que existiu antes. Acho que o amor nunca vai embora totalmente. Esse encantamento é como aquela velinha de aniversário, aquela que você apaga e ela acende novamente. E quando essa velinha teimosa ameaça acender de novo, você revive um pouco daquele amor já conhecido. É tentador, curioso, perigosamente atraente.
Tiro o chapéu pra quem consegue estabelecer uma amizade, digamos indiferente, com alguém com quem esteve alguma vez ligado amorosamente. Eu tentei quase sempre, e acreditei durante muito tempo nessa possibilidade, até que comecei a perceber que, salvo adoráveis exceções, quase todos os meus ex-companheiros, esses “apenas amigos”, voltavam, de tempos em tempos, a ter contato comigo pra marcar território: coisa de cachorro macho mesmo, fazer xixi nos cantinhos do terreno. Sempre muito dissimuladamente (às vezes nem isso), com cara de conversa desinteressada, mas fazendo as perguntas certas e atualizando os dados. Cheguei a reencontrar intimamente algum desses ex-amados e me deixei levar pelo restinho daquele amor antigo. Fica aqui o veredito: provar outra vez um amor do passado tem sabor de café requentado. Não é como a madalena de Proust, que molhada no chá, relembra vividamente um passado terno e reconfortante. Se o passado de Proust estivesse de fato na frente dele naquele momento, aposto que a experiência não seria tão agradável. O beijo (de) novo, o sexo (de) novo azeda o molho e entorna o caldo. Quem entende de culinária sabe que muitas comidas ficam muito mais saborosas no dia seguinte. Este não é o caso. Quem gosta de café, quem o aprecia realmente, não toma café de ontem, ele tem de ser fresquinho, passado na hora.
Mas é a tal história: se conselho fosse bom ninguém dava e talvez algum dia eu morda ou queime a língua com café requentado. Só posso dizer que, hoje em dia, se eu consigo identificar esses “cachorros” (sem ofensas, por favor, meninos) eu fujo! E se encontro com algum daqueles ex-amores que chamei de “adoráveis exceções”, é curioso como em algum momento uma troca de olhares, uma frase ou aquela piada que só eu e ele entendemos deixa evidente o perigo que estamos correndo. E ambos fugimos.
Como eu disse antes, falar do amor costuma produzir textos bobos e frágeis como este. Termino, então, com o poema de Dulce María Loynaz, pra tentar recuperar um pouco da dignidade perdida:

POEMA IX
Dichoso tú, que no tienes el amor disperso…, que no tienes que correr detrás del corazón vuelto simiente de todos los surcos, corza de todos los valles, ala de todos los vientos.
Dichoso tú, que puedes encerrar tu amor en sólo un nombre, y decir el color de sus ojos, y medir la altura de su frente, y dormir a sus pies como un fiel perro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário