30 setembro 2011

Sem poesia

Tem dias que o mundo em volta é duro feito concreto.
Que a calçada é um conjunto organizado e retilíneo de pedras.
Que um poste é só um poste, jamais a lembrança de Gene Kelly.
Que a chuva não vem e não há cheiro de terra molhada que possa, a modo de Proust, trazer de volta a infância no jardim da primeira casa.
Tem dias que a comida é compulsão e a bebida é companhia.
Acordar é enfadonho e voltar a dormir, uma saída.
Tem dias que todas as palavras estão vazias, e que a gente se exaspera por poder dizer somente o que a linguagem, sozinha, diria.
Em dias assim, sem poesia, a pele está dormente, doente, o olhar não brilha; escorrega sobre as coisas sem gozo, seco, morto, indiferente.
Queria hibernar como um urso, afundar como uma baleia, encolher as asas até caber de  novo no casulo, e lá dentro chorar e sorrir até renascer da seda.