23 janeiro 2012

Casa de praia



Um grauçá andando em círculos excêntricos enquanto carrega um tufo de areia três vezes mais pesado que seu próprio corpo etéreo deve ter uma explicação científica. Bem antes de começar seu desenho bêbado ele apareceu a menos de trinta centímetros do meu rosto enquanto eu tomava sol deitada na areia da praia. Não é comum ver um grauçá tão de perto. Fiquei bem quieta pra aproveitar meu momento national geographic, não sem antes analisar cuidadosamente seus sete ou oito centímetros de pata a pata e suas pequenas puãs para o caso de ele resolver beliscar o meu nariz ou a minha orelha. Ele também ficou bem quieto. Conferi pela visão periférica que ninguém viesse perturbar aquele escrutínio mútuo e vendo que a praia continuava deserta, me detive a percorrer a anatomia curiosa do bicho: dos olhos negros abertos em canivete aos pelinhos quase invisíveis das patas, depois de volta para os olhos rígidos em riste. Tudo tão perto que eu quase nem respirava pra não mexer as narinas e rezava pra nenhuma mosca pousar nas minhas pernas ou nádegas. Ele também me olhava completamente imóvel. Começamos a brincar de quem aguenta mais tempo sem piscar. Perdi. Constatação científica: se quiser brincar de quem aguenta mais tempo sem piscar, arrume outro bicho. Grauçá não pisca. Foi aí que ele começou a andar em círculos excêntricos se afastando aos poucos, o tufo de areia sempre debaixo de sua carapaça. A única explicação que me veio foi a de estar talvez deitada sobre a entrada de sua casa de praia. Mas a reflexão e a observação foram subitamente atravessadas por uma onda que subiu na parte mais alta da areia e me fez pular e levantar os chinelos e a toalha. Desapareceu o grauçá e eu não pude constatar nada. Nem pensar. Eu tinha ido à praia sozinha pra pensar na minha vida.


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