09 outubro 2011

Uma flor sem adjetivo


Meu vizinho do apartamento de cima viajou para a Alemanha por uns tempos. Antes que se mudasse, subi um dia e me ofereci para cuidar as plantas que tivesse, para comprar sua geladeira ou algum móvel de que ele precisasse se desfazer. Dias depois encontrei do lado de fora da porta de entrada, alinhados junto à parede do hall, três vasos de plástico. O maior deles tinha uma planta mirrada, de folhas compridas e carnudas, sem graça e maltratada, e, em volta dela, uns pezinhos de erva daninha que nasce sem ser convidada em qualquer terra. Em outro vaso, quase de mesmo tamanho e forma, havia apenas terra ressecada e cinzenta. O último era pequeno e com uma pequena planta dentro, de folhas miúdas e gordas, que resistiu à falta de água e alimento. Ri surpreendida com aquele quadro desolador e árido, bem diferente do que eu tinha imaginado. Duvidei entre jogar no lixo ou entrar as plantas e aproveitar talvez a terra ou os vasos para enfeitar, com mudas novas, o belo balcão que tem do lado de fora da grande janela de vidro da minha sala. Coloquei-as ali, junto à Aloe Vera enorme e selvagem que herdei da antiga moradora da casa, e comecei a molhar tudo de vez em quando na esperança de que se recuperassem ou que da terra brotasse algo vindo de alguma raiz oculta mas ainda viva. Com a proximidade da primavera e os primeiros dias de calor, novas folhas carnudas brotaram nos dois vasos, sem que isso mudasse significativamente o cenário desagradável. Ontem pela manhã, no entanto, assim que saí do quarto, os olhos apertados ainda pelo contraste com a claridade da sala, chamou minha atenção uma luz estranha em meio ao verde das ramas do jasmim do prédio que se enroscam na grade do balcão: um ponto rosa estridente dentro do pequeno vaso. Disse estridente por não encontrar palavra mais adequada para descrever aquele efeito que causavam certas estampas ou listras em televisão de antigamente, em que se perdiam os contornos e as cores vibravam, incomodando os olhos da gente. Esperei que a vista se acostumasse à luminosidade e então me aproximei intrigada. Entre as folhinhas gordas da planta pequena, sim, uma flor mínima, em forma de espanador, de um centímetro apenas de diâmetro, pétalas finas e abundantes. Uma estridência apenas, uma surpresa, um grito no meio do verde nada, uma flor quase sem adjetivos, mas de repente um adjetivo na minha sala.



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