11 fevereiro 2012

Sou eu que vou

sou eu que vou
e no meu lugar deixo uma saudade de mim
como um buraco no vento
vejo
o espaço que não vou ocupar
as palavras que não farei ouvir
minha falta
meu silêncio
sou eu que vou
e no meu lugar imagino um suspiro
que cai ruidoso na mesa de domingo
dói hoje em mim o amanhã
em que ontem era comigo

04 fevereiro 2012

Uma mão lava a outra

O que não quer dizer apenas troca de favores ou companheirismo. Significa, antes de mais nada, que uma mão sozinha não consegue se lavar bem. Descobri isso de maneira um tanto dolorosa: fratura dupla no dedo médio da mão direita.  Resultado: dedo imobilizado, mão direita praticamente inutilizada, o braço esquerdo já fatigado do uso exagerado dos últimos dez dias, o pescoço endurecido e as costas descompensadas. Além da dor e do desconforto, a adaptação é difícil, tudo fica a meio fazer e o que é feito leva pelo menos o triplo do tempo. As unhas vão ficando compridas e quebradiças, as sobrancelhas simplesmente crescem. Não posso escrever à mão e digitar cansa o braço inteiro. Vou terminar essa recuperação com uma tendinite em ambos antebraços. 
A mão esquerda aprendeu a se lavar sozinha, a amarrar cadarço, a pentear cabelo, a escovar os dentes, a segurar o garfo, a estar alerta a qualquer tropeço ou escorregão, porque é ela que fica livre pra aparar uma possível queda. Aprendeu a sacudir o saleiro, a descascar fruta, e se tivesse aprendido a falar já tinha xingado a outra de tudo que é nome feio. Além de fazer todo o trabalho, ainda tem que se cuidar pra não se cortar nem se queimar, pra não se machucar nem se cansar demais, porque no dia seguinte ela volta ao trabalho. Coitada, exausta, ela sente saudade, se sente enganada. Não nasceu pra isso. Nasceu pra ficar na sombra, no apoio, no anonimato. Porque quando ela se lava sozinha, fica meio suja. Porque o cadarço fica torto e o cabelo lambido, a comida salgada e a fruta com pedacinhos da casca. Minha mão esquerda tá contando os dias, as horas, eu também. 
A mão direita, lá do outro lado, não sabe tirar férias. Fica estressada tentando ajudar, fazendo de conta que não aconteceu nada. Se vira e se contorce pra segurar uma faca, uma pasta de dente, e quando ela menos espera, uma dor, uma pontada vem lembrar ela de sua condição de acidentada. Workaholic, ela se aquieta um pouco, mas logo se recupera e começa tudo de novo. 
Dez, nove, oito...contando os dias e as horas pra ver de novo uma mão lavando a outra.