Muitos livros coincidem em relacionar a origem dos palavrões com rituais de magia e feitiçaria. Dizem que em sociedades sem escrita os
palavrões eram temidos, como as palavras proferidas sobre o caldeirão, pois
acreditava-se que fossem capazes de portar malefícios e fazer mal às pessoas.
Estudos científicos, por sua vez, indicam que os palavrões são percebidos no
sistema límbico do cérebro, que reage a eles de forma emotiva e não racional.
Nenhuma palavra nasce palavrão. Algumas levam séculos para
se desprender de seu sentido ou vínculo originário (muitas vezes religioso) e
passar a designar algo indecoroso, abjeto ou ofensivo. Outras por designar
fluidos, excrementos ou determinadas partes do corpo terminam também por ser
rejeitadas, como se a mera alusão verbal trouxesse a matéria a elas associada.
Em outros casos sua gênese não é assim tão simples ou direta.
Nos últimos dias, em virtude dos acontecimentos políticos e
sociais recentes tenho acompanhado um processo parecido. Não é algo novo, mas
que se agrava neste momento, é mais perceptível quando as pessoas estão com as
emoções à flor da pele. Me refiro à reação que vejo causar em muitas pessoas o
aparecimento, em quase qualquer contexto, da palavra “Cuba”. O nome da ilha,
qual um palavrão, desata automaticamente, reações intempestivas, afetivas,
quase sempre de rejeição, às vezes de verdadeiro horror ou espanto. Algumas
pessoas se mostram inclusive indignadas, como se não fosse “adequado”,
pertinente ou de bom tom mencioná-la no contexto das lutas que se travam agora
no Brasil. E não posso evitar imaginar o gesto que acompanha o fato: a cara
virada com fastio, a expressão de nojo como se se tratasse de fato de um
excremento apresentado como prato à mesa do jantar, as interjeição com ranço de
beatice, “afe!” e “vixe!”.
Para muita gente Cuba virou palavrão. Neste caso, produto de
uma bem-sucedida campanha de décadas de difamação mas, talvez mais importante
agora do que isso, de um medo já enraizado e inconsciente de que contenha
poderes que possam influenciar os rumos do nosso estilo de vida, de que ela
possa representar um xeque-mate ao nosso prazer pelo consumo, de que ela possa
nos tirar alguma coisa que é muito importante para nós: aquilo que sempre
fomos, a forma como sempre pensamos. E o medo de que no fim das contas, ela
estivesse certa e não nós.
Fui a Cuba há exatos 20 anos, estudar com Gabriel García
Márquez na Escola de Cinema e TV de San Antonio de los Baños, que recebia
naquele mesmo ano o único Prêmio Rossellini dado a uma escola de cinema. Não
vou relatar aqui a minha experiência; se trago a informação é justamente com o
intuito de reconhecer que quando digo Cuba, meu discurso vem também impregnado
de afetividade e não é propriamente imparcial ou objetivo. E diante do medo e
da rejeição das pessoas admito ainda tê-la usado muitas vezes como provocação,
como quem amaldiçoa diante do caldeirão.
Não creio nem nunca acreditei que o Brasil ou a Argentina
(meus países da América Latina mais próximos, por nascimento e formação)
pudessem reproduzir a experiência cubana. Nem acho que exista este “risco”
agora. A crise do capitalismo é um fato concreto, mas não se sabe ainda ao
certo por onde passa a saída para um novo sistema possível ou se terminaremos
reciclando velharias como quem se agarra num pedaço de tábua depois do
naufrágio, sem pensar que com os dias a madeira apodrece. Enquanto isso, Cuba
está atenta e tranquila, estudando e aprendendo sua própria abertura para um
mundo que, por sua vez, está se repensando. Há coisas em Cuba que funcionam
muito bem, como a saúde e a educação. Temos muito a aprender com a experiência
deles nestes segmentos e talvez, se nos permitíssemos deixar de ser o que
sempre fomos, pudéssemos aprender também a rever valores e comportamentos,
prioridades e dogmas.
Sabe-se, por outro lado, que em seu uso atual e corriqueiro os palavrões têm um grande poder de libertação: um porra! bem dado, um
caralho! ou um puta que pariu! na hora certa podem evitar muitos gastos
desnecessários com médicos ou terapias. Não digo que sair gritando Cuba! aos
quatro ventos vá solucionar os nossos problemas, mas se ao menos pudéssemos
deixar de ter medo e de quase fazer o sinal da cruz quando ela aparece, como se
tivéssemos visto o diabo, já seria um bom começo. Cuba tem mais de meio século
de uma experiência de sociedade moderna totalmente diferente da nossa. É quase
impossível que não tenhamos algo positivo para aprender com a experiência
deles. E aprender passa necessariamente por vencer o medo e se aproximar desse
outro tão diferente.
Com verdades vindo à tona e mitos caindo, já é hora de
deixar de temer os supostos malefícios da presença cubana em nosso cenário
latino-americano. É hora de deixar de esconder nossas criancinhas cada vez que a
palavra Cuba aparece. É hora de deixar emergir as verdades que ela – a ilha,
sua experiência revolucionária, sua solidariedade tão mais profunda que a nossa
de apenas doar roupas velhas e livros usados e com isso aliviar momentaneamente
a culpa, suas práticas reais de sustentabilidade – possa partilhar conosco. É
hora de fazer deste nome um bom palavrão, destes que ajudam e aliviam, dos que
trazem algum tipo de libertação.
Una buena palabrota
Muchos libros coinciden en relacionar el origen de las palabrotas con ritos de
magia y brujería. Se dice que en sociedades sin
escritura se les temía a las palabrotas, como a las palabras que se profieren
sobre el calderón, ya que se creía que eran capaces de portar malefícios y de
dañar a la gente. Estudios científicos, a su
vez, indican que las palabrotas se perciben en el sistema límbico del cerebro,
que reacciona a ellas de manera emotiva y no racional.
Ninguna palabra nace palabrota. Algunas tardan
siglos hasta desprenderse de su sentido o vínculo original (muchas veces
religioso) y pasar a designar algo indecoroso, abyecto u ofensivo. Otras, por
nombrar fluidos, excrementos o determinadas partes del cuerpo terminan
igualmente rechazadas, como si la simple alusión verbal trajera la materia a
ellas asociada. En otros casos su génesis no es así tan sencilla o directa.
En los últimos días, en virtud de los sucesos políticos y sociales recientes en
Brasil, vengo siguiendo un proceso parecido. No es
algo nuevo, pero que se acentúa en este momento, se vuelve más perceptible
ahora que las personas tienen las emociones a flor de piel. Me refiero a la
reacción que veo causar en muchas personas el surgimiento, en casi cualquier
contexto o discusión, de la palabra “Cuba”. El nombre de la isla, tal una
palabrota, desata automáticamente reacciones inflamadas, afectivas, casi
siempre de rechazo, a veces de verdadero horror o espanto. Algunas personas se
muestran incluso indignadas, como si no fuese apropiado, pertinente o de buen
gusto mencionarla en el contexto de las luchas que ahora tienen lugar en
Brasil. Y no puedo evitar imaginar el gesto que acompaña este hecho: la cara
volteada con hastío, la expresión de asco como si se tratara en efecto de un
excremento presentado como plato sobre la mesa a la hora de cenar, las
admiraciones con resabios de beatería “afe!” y “vixe!” (simplificaciones de uso
muy frecuente en Brasil de “Ave María” y “Virgen María”, respectivamente).
Para mucha gente Cuba se ha vuelto una palabrota.
En este caso, producto de una exitosa campaña de décadas de difamación, pero,
tal vez más importante ahora que eso, de un miedo arraigado e inconsciente de
que pueda tener poderes para influir en los rumbos de nuestro estilo de vida,
de que pueda representar un jaque a nuestro placer por el consumo, de que pueda
sacarnos algo que nos es muy importante: aquello que siempre fuimos, la forma
como siempre pensamos. Y el temor a que, a fin de cuentas, ella tuviera la
razón y no nosotros.
Fui a Cuba hace exactos 20 años, a estudiar con
Gabriel García Márquez en la Escuela de Cine y TV de San Antonio de los Baños,
que recibía en aquel mismo año el único Premio Rossellini otorgado a una
escuela de cine. No haré el relato de mi experiencia; si traigo a cuento esta
información es precisamente para reconocer que cuando digo Cuba, mi discurso
viene también impregnado de afectividad y no es para nada imparcial o exento. Y
ante el miedo y el rechazo de mucha gente, admito aun haberla usado muchas
veces como provocación, como quien maldice frente al calderón.
No creo ni creí nunca que Brasil o Argentina (mis
países de Latinoamérica más cercanos,
por nacimiento y formación) pudieran reproducir la experiencia cubana.
Ni creo que exista ahora este “riesgo”. La crisis del capitalismo es un hecho
concreto, pero no se sabe todavía por donde pasará la salida hacia un nuevo
sistema posible o si terminaremos reciclando a los viejos como el que se aferra
a un pedazo de madera del barco luego del naufragio, sin pensar que con el
tiempo la madera se pudre en el agua. Mientras tanto, Cuba está atenta y
tranquila, estudiando y aprendiendo su propia apertura hacia un mundo que, a su
vez, se está repensando. Hay cosas en Cuba que funcionan muy bien, como la
salud y la educación. Tenemos mucho que aprender con su experiencia en estos
sectores y tal vez, si nos permitiésemos dejar de ser lo que siempre fuimos,
podríamos aprender también a revisar valores y comportamientos, prioridades y
dogmas.
Se sabe, por otra parte, que en su uso actual y
cotidiano, las palabrotas tienen un gran poder libertario: un “mierda!” bien
fuerte, un “carajo!” o un “que lo parió!” a la hora justa pueden evitarnos
gastos innecesarios con médicos y terapias. No quiero decir con eso que salir
gritando “Cuba!” a los cuatro vientos pueda solucionar nuestros problemas, pero
si al menos pudiéramos dejar de tenerle miedo y de casi persignarnos cuando
aparece, como si viéramos al mismísimo diablo, ya sería un buen comienzo. Cuba
tiene más de medio siglo de una experiencia de sociedad moderna totalmente
distinta a la nuestra. Es casi imposible que no tengamos algo positivo que aprender
con ella. Y aprender pasa necesariamente por vencer el miedo y acercarse a ese
otro tan diferente.
En un momento en que afloran verdades y caen mitos,
ya es hora de dejar de temer los supuestos maleficios de la presencia cubana en
nuestro escenario latinoamericano. Es hora de dejar de proteger nuestros niños
cada vez que la palabra Cuba aparece. Es hora de dejar emerger las verdades que
ella – la isla, su experiencia revolucionaria, su solidaridad tanto más profunda
que la nuestra de tan solo donar ropas viejas y libros usados y con eso mitigar
momentáneamente nuestra eterna culpa, sus prácticas reales de sustentabilidad –
pueda compartir con nosotros. Es hora de usar este nombre, en todo caso, como
una buena palabrota, de estas que ayudan y traen alivio, de las que aportan
algún tipo de libertación.